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O que pensar do colesterol

Pontos de vista antagônicos e controvérsias sobre o colesterol indicam que a medicina ainda não tem a resposta definitiva.

Tomar estatinas ou não, essa é a questão. Não há consenso sobre o que fazer quando o colesterol está elevado.

“JAMA”, a revista oficial da American Medical Association, colocou para dois grupos de especialistas de alto nível a seguinte pergunta: “Um homem saudável de 55 anos, com pressão arterial máxima de 11 cm, colesterol total de 250 mg/dL e sem história familiar de morte prematura por doença coronariana deve ser tratado com estatinas?”

Responderam sim, Michael Blaha, Khurram Nasir e Roger Blumenthal, do Centro de Prevenção de Doenças Cardíacas da Universidade John Hopkins.

Vamos aos argumentos:
1) o colesterol circulante é um componente da placa coronariana;
2) já na infância, seus níveis guardam relação direta com o risco de ataques cardíacos no decorrer da vida;
3) as estatinas reduzem as concentrações de colesterol, diminuindo o risco de ataques cardíacos e derrames cerebrais;
4) as recomendações atuais são as de manter níveis de LDL (o mau colesterol) abaixo de 130; com alvo opcional abaixo de 100.

Em seguida, alinham os resultados de três grandes estudos (Woscops, AFCAP/TexCAPS e Jupiter) que somam mais de 30 mil participantes, nos quais as estatinas reduziram 30% a 40% do número de infartos e 20% da mortalidade causada por eles.

Baseados nesses números, acrescentam:
1) Em torno de 5% dos pacientes desenvolvem dores musculares, geralmente reversíveis com a interrupção do tratamento. Não há evidências definitivas de que as estatinas provoquem perda de memória, como relatado ocasionalmente. O risco de desenvolver diabetes só foi documentado naqueles que já apresentavam intolerância à glicose (glicemia de jejum entre 100 e 119);
2) Prescrever estatina apenas depois do infarto ou do derrame cerebral, seria como colocar tranca em porta arrombada
3) Com a perda das patentes o tratamento ficou barato;
4) As estatinas não aumentam a longevidade, mas prevenir infartos, derrames cerebrais e tromboses venosas asseguram uma velhice com melhor qualidade de vida.

Em defesa do não, foram ouvidos Rita Redberg e Mitchel Katz da Divisão de Cardiologia da Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Os argumentos são os seguintes:
1) Uma análise conjunta (metanálise) de 11 ensaios clínicos que envolveram 65.229 pessoas saudáveis, mas com risco alto de doenças cardiovasculares, não mostrou redução da mortalidade entre os que receberam estatinas. A revisão Cochrane dos estudos clínicos com estatinas revelou que todos, menos um, foram patrocinados pela indústria farmacêutica, condição propensa a resultados mais favoráveis.
2) Na prática, os efeitos colaterais são bem mais frequentes. Vários relatos e um pequeno estudo randomizado levantaram a suspeita de que o comprometimento da memória de fato exista. O uso de estatinas em uma corte de mais de 2 milhões de ingleses aumentou o risco de insuficiência hepática, insuficiência renal, problemas musculares e catarata. No estudo Jupiter o risco de diabetes foi de 3%
3) Um homem saudável, mas com o colesterol elevado como o proposto na pergunta, que tomar estatina durante cinco anos não viverá mais. Para cada 100 pessoas como ele mantidas em tratamento durante cinco anos, haverá prevenção de apenas um a dois infartos. No entanto, um ou mais desenvolverá diabetes, e 20% ou mais terão sintomas incapacitantes: fraqueza muscular, fadiga e perda de memória
4) Há métodos mais eficazes de prevenção: manter dieta saudável, praticar exercícios, perder peso e, sobretudo, não fumar.

Em mais de quarenta anos de atividade clínica, aprendi que quando médicos igualmente qualificados defendem pontos de vista antagônicos como nesse caso, é porque a medicina não tem resposta definitiva.

A você, leitor, decepcionado pela falta de uma conclusão, lembro uma frase do físico Oppenheimer depois de ouvir uma palestra de Fermi, no Projeto Manhattan: “Antes da sua apresentação, eu estava confuso sobre esse tema. Continuo confuso, agora num nível mais elevado”.

Artigo escrito por: Drauzio Varella.
Médico cancerologista formado pela USP, articulador de campanhas que visavam o esclarecimento da população sobre a prevenção a doenças graves.

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