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O revés entre a era do marketing digital e a ética médica

No mundo conectado e digital em que estamos vivendo, onde tudo está na distância de um clique é fácil dissociar a realidade legal, que rege nosso cotidiano off-line, das regras e limitações que são impostas e devem ser
observadas no mundo virtual.

Claro que vocês médicos, como todos os seres viventes “sem o CRM” (está entre aspas, pois outro dia em um diálogo com um servidor público, o mesmo usou essa expressão para me dizer que o mundo se divide em dois blocos), queremos e muitas vezes necessitamos estar atualizados, conectados e inclusos no mundo digital, porém, quando se trata do exercício da medicina, é preciso observar além das leis, penal, cível, consumerista, as regras ditadas pelo Conselho Federal de Medicina.

Apesar de ouvir muitas críticas a despeito da atuação do CFM e dos CRM´s, e em muitos casos concordar em alguns aspectos do que ouço, é preciso compreender que a razão de existir do conselho de classe, em última análise é a proteção do profissional e a garantia do bom exercício da profissão em vários sentidos. A atuação é falha? Consinto que sim, porém, tenho certeza de que seria bem pior na exiguidade dela.

Nas últimas semanas tornou-se conhecido um caso em que uma médica de Minas Gerais conseguiu na justiça uma liminar para divulgação do antes e do depois nas mídias sociais. O escritório de advocacia que a representou, e a própria profissional, foram às redes sociais em uma divulgação espalhafatosa e ostensiva comemorar o resultado infeliz da liminar. Foi com pesar que vi a liminar concedida no Mandado de Segurança impetrado pela médica Patrícia Leite Nogueira contra o Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais e outros. Não vislumbrei e vislumbro nenhum motivo jurídico ou qualquer fundamento benéfico para o exercício da medicina para comemorar tamanha desproteção gerada pela decisão de tal liminar, que já foi devidamente cassada!!

É fato que as redes sociais possuem grande poder de disseminação de notícias, de conhecimento e também promovem um vasto mercado de venda de produtos e serviços. Porém, comparar o exercício da medicina (inclusive e principalmente a medicina estética) com outros milhares de produtos que se encontram à disposição dos internautas, como disse no início, por um clique, e querer “vender” o serviço médico através de um marketing onde necessariamente precise expor o famoso “antes e depois”, é um verdadeiro disparate.

Defendo o fato dos médicos publicarem em redes sociais informações médicas corriqueiras para os pacientes, falar sobre sua área de atuação, explicar sobre determinadas patologias, tratamentos, mas chegar ao ponto de (me desculpem o termo que utilizarei, mas é o melhor para definir o que este tipo de conduta é) “prostituir” a profissão é inaceitável, ainda mais com a chancela de um juiz, que olha para a medicina como uma atividade simplesmente mercantil.

Sim, o teor da liminar remete ao fato da medicina estar sendo mercantilizada, não só pelo judiciário, mas pelos próprios profissionais médicos, o que traz implicações jurídicas seríssimas, que precisam ser amplamente debatidas.

Em outras palavras, a permissão que foi concedida pela liminar para marketing do “antes e depois” transfere para o médico a obrigação contratual do resultado perfeito para o paciente, independente de quaisquer outras circunstâncias que possam ocorrer nesse tratamento (reações adversas, infecções, distúrbios de cicatrização etc).

Uma vez que os resultados esperados não são obtidos, a responsabilidade do médico passa a ser objetiva, ou seja, independente de demonstração de culpa ele tem o dever de indenizar, afinal, ele “vendeu” um resultado, criou a expectativa, ou mesmo a certeza. No mundo jurídico é assim que funciona, e fica bem difícil defender algo diferente disso. Como a decisão tinha caráter liminar, e atingiu somente a médica litigante, foi acertadamente revogada pela Justiça.

O mínimo que se espera é que os profissionais médicos se valorizem, se respeitem, valorizem tão nobre profissão que exercem e respeitem o artigo 75 do Código de Ética Médica, assim como observem a diretriz dada pela Resolução 1974/2001 do CFM, que regula a publicidade médica.

Ao contrário do que intentam sustentar, a razão de existir limitações para o marketing médico é a proteção do exercício da medicina e do profissional médico, e não cingir o profissional de ter seu bom nome e sua arte divulgados.

Apesar da conectividade, o bom relacionamento médico/paciente, o preparo e conhecimento técnico, ainda são a melhor propaganda e a melhor divulgação da profissão, e o aperto de mão do paciente, o agradecimento desse, ainda vale muito mais do que milhares de seguidores nas redes sociais.

Ao utilizarem as redes sociais, lembrem-se que o sucesso vem do bom desempenho da profissão, não precisando rebaixar tão linda atividade profissional ao nível de comércio de quinquilharias que são encontradas aos montes. Existem várias empresas especializadas que podem lhes ajudar, mas acima de tudo isso, o bom senso e a autovalorização são primordiais!

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